Nos atuais modelos de gestão, é comum que os cidadãos elejam ou deleguem poderes a terceiros para gerir seus recursos visando alcançar melhores resultados. Por seu lado, os gestores ou os responsáveis pela gestão dos recursos públicos ou privados devem prestar contas aos cidadãos, demonstrando integridade e controle, sempre em conformidade com a ética e a responsabilidade, ou seja, seguindo as diretrizes e as normas aplicáveis.
Sendo assim, o controle exercido em torno da gestão dos recursos torna-se um imperativo, pois, é uma atividade que envolve confiança, e, sem ela, não é possível obter bons resultados. Nesse sentido, a confiança é o elo que gera segurança na medida em que, é a garantia de que o gestor não agirá de forma oportunista, ou seja, em proveito próprio. Por isso, os cidadãos devem estar confiantes de que eventuais condutas desviantes na gestão dos recursos públicos ou privados não deverão acontecer em hipótese alguma.
Sendo assim, é imprescindível que os atuais modelos de gestão e governança que compreendem os mecanismos de liderança e controle, devem monitorar e avaliar a atuação do gestor, garantindo assim, o interesse dos cidadãos. Essa garantia só é possível através da accountability, o que gera mais confiança, transparência e efetividade.
No caso específico da transparência, ela pode ser vista como um valor fim, que quando observada conscientemente, ajuda a combater a corrupção e a melhorar a governança. Esta por sua vez, requer a necessidade de estabelecer cadeias de accountability, observando assim, a gestão participativa, o acesso à informação, o respeito pelos direitos e garantias e a sustentabilidade ambiental.
Em suma, a transparência permite que os recursos sejam geridos ou investidos, partindo de uma visão compartilhada e aberta ao controle interno ou externo. O interno é aquele que um poder exerce sobre seus próprios agentes enquanto que o externo é exercido por um poder sobre o outro. Em ambos controles, o feedback é muito importante, pois, este contribuirá para melhorar a gestão.
Nos modelos de gestão participativa, a accountability, configura-se como um direito e uma obrigação que os cidadãos têm, uma vez confiado seus recursos a um gestor, de garantir a responsabilidade de exigir-lhes explicações pelo poder que lhes foi conferido, de informar sobre os riscos e assumir as consequências de seus atos e omissões.
A compreensão da responsabilidade e suas consequências exclui qualquer possibilidade de erro intencional ou deliberado, seja qual for o motivo, já que com o conhecimento adquirido e a análise dos potenciais riscos nenhum erro deve ser aceitável, pois não há espaço para buscar validação e massagem do ego.
Como mecanismo de responsabilização, a accountability tornou-se um conceito central em relação às questões de governança pública e privada, responsabilidade pessoal, organizacional e política. Ela permite diferenciar entre o público e o privado e proporcionar formas de gestão aberta à participação da sociedade na construção das políticas públicas.
Na esfera pública, a responsabilização pode ser dividida em dois tipos: responsabilização vertical e horizontal. No primeiro caso, é realizada em níveis hierárquicos diferentes de gestão e no segundo, por poderes do mesmo nível o que permite uma maior participação social.
Accountability é um conceito que deriva da língua inglesa, mas atualmente faz parte do nosso vocabulário. No entanto, na língua portuguesa não existe tradução literal, ou seja, não há uma expressão equivalente. Sendo assim, o conceito ainda carece de purificação semântica, uma vez que pode ser usada em diferentes contextos e abordagens.
Mesmo entre especialistas não existe consenso quanto a uma definição única e objetiva, pois, seu significado permanece subexplorado, ou seja, explorado de forma insuficiente. Ainda que alguns autores tenham efetuado algumas aproximações conceituais, não existe perfeita concordância nas traduções, mesmo que estas sejam próximas ou convergentes.
Mesmo que não haja uma tradução exata na língua portuguesa, ela pode ser definida objetivamente como responsabilização, tanto na esfera pública, assim, como na privada. Por isso, vários autores concordam que accountability remete, precisamente, à obrigação e à participação social, ou seja, a ‘obrigação de responder por algo’ que, na linguagem coloquial, significa prestar conta a alguém, o que nos remete a uma conclusão importante: ‘quem falha no cumprimento dos seus deveres e obrigações deve ser responsabilizado’.
Então, quem tem responsabilidade, também deve estar sujeito à responsabilização pelo seu desempenho. Neste sentido, a accountability faz com que haja responsabilidade pessoal, organizacional e política por um determinado desempenho, podendo ser bom ou mau. Por isso, ela pode ser interpretada como sendo um conceito da esfera ética, ou como diria o filósofo alemão Hegel, da esfera da eticidade ou da vida ética, entendida como o estudo sobre as ações humanas consideradas corretas no que tange a gestão dos recursos públicos ou privados.
O significado do conceito, como reiteram a maioria dos autores, envolve responsabilidades acrescidas e intransmissíveis. Como referimos anteriormente, ela remete ao controle, à obrigação de prestação de contas que deve ser entendida como o dever de justificar as ações que foram ou não executadas pelo gestor, relatando todas as atividades que são da sua responsabilidade. Logo, garantir a accountability é uma prática que está diretamente relacionada à promoção da transparência, existindo, em certos casos, uma sobreposição entre ambas.
Os professores de ciência política Andreas Schedler e Richard Mulgan, por exemplo, interpretam o conceito de forma diferente. O primeiro entende a accountability como tendo um significado evasivo e confuso, enquanto que o segundo, como sendo um conceito complexo e camaleônico, ou seja, polissêmico e que muda com facilidade. Porém, Connors, Smith e Hickman, autores da obra O princípio de OZ: como usar accountability para atingir resultados excepcionais concordam que accountability gera senso (individual ou coletivo) de responsabilidade por resultados.
Independentemente das divergências entre os especialistas, existe certo consenso que o termo accountability traz implicitamente a noção de responsabilização pelos atos praticados, sendo que há uma exigência explícita que, efetivamente, exige a prestação de contas no âmbito público ou privado. Esta prestação diz respeito à “obrigação que têm as pessoas ou entidades às quais se tenham confiado recursos, incluídas as empresas e corporações públicas, de assumir as responsabilidades de ordem fiscal, gerencial e programática que lhes foram conferidas, e de informar a quem lhes delegou essas responsabilidades”.
Por isso, é um conceito que vem sendo utilizado em diferentes níveis e circunstâncias de gestão e governança, denotando assim, a assunção de responsabilidade, imputabilidade, obrigação e prestação de contas que pode ser vista como a demonstração do que foi feito ou não com os recursos.
Nas democracias bem consolidadas, a accountability tornou-se um pressuposto que tem como premissa básica, a obrigatoriedade de todo e qualquer gestor, instituição ou poder, independentemente do nível hierárquico, de ser controlado. Por isso, ela está baseada na necessidade da responsabilização objetiva (conduta) e subjetiva (provar conduta). Em ambos os casos, a responsabilidade proveniente da prática de atos ilícitos ou a violação do direito de terceiros deve ser reparado.
Garantir a accountability, necessariamente implica: prestar contas, estabelecer canal para receber manifestações, designar instâncias responsáveis para apurar desvios éticos dos gestores, servidores ou colaboradores, padronizar procedimentos, capacitar equipes simplificar apuração de faltas de menor potencial ofensivo e ajustar os mecanismos que reduzam fraudes e corrupção.
Para que haja, efetivamente, accountability é essencial que os cidadãos sejam conscientes e vigilantes dos seus direitos, deveres e responsabilidades. Em suma, nada é mais democrático do que o direito que cada cidadão tem de exercer seu poder de controle, sendo que, para isso, estará contribuindo para fortalecer os mecanismo de governança e integridade na gestão dos recursos públicos ou privados, fortalecendo assim a democracia participativa.