A tão falada transformação digital tem ganhado muito protagonismo nos últimos anos. Um dos maiores ganhos que essa pauta trouxe para os serviços públicos foi a mudança de mentalidade de como oferecer e desenhar estes serviços, já que eles são ponto de partida para pensar estratégias de governo digital.
A própria concepção de oferecer uma experiência única de governo, esteja o cidadão em um balcão presencial, em um telefonema, em um portal ou aplicativo, eleva a qualidade dos serviços e desafia a administração pública a rever a estruturação e integração de seus dados e sistemas. Desta maneira, a transformação extrapola o digital e traz consigo a premissa não só de desburocratização, mas também da democratização do acesso aos serviços públicos pela ampla oferta de canais de atendimento.
Embora seja sabido dos ganhos em economia e eficiência para governo e da redução de tempo de deslocamento e dinheiro para o cidadão pela oferta de um serviço digital, é importante reforçar que esses resultados só serão alcançados pela administração pública se no processo de formulação, monitoramento e avaliação de serviços públicos for considerada a participação social.
O respaldo legal da transformação digital no país vem desde 2011 sendo instituído e nos últimos anos ganhou força com o Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos (lei 13.460/2017), a Lei de Governo Digital (14.129/2021) e com a Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/2018). Considerando este escopo legal pode parecer complexo implementar, como colocar em prática?
Neste artigo não será possível responder o “como”, é complexo mesmo, mas completamente possível. Meu objetivo com este artigo é dar um pouco de contexto das variáveis desta implementação. E para isto, convido vocês a fazer um exercício de empatia sobre os dois lados da moeda.
Começando pelo início
Quando falamos em serviços públicos, enquanto cidadãos, queremos que o nosso problema seja resolvido da maneira mais simples e rápida possível. Infelizmente, o setor público sofre com o descrédito da população, e apesar de esta realidade estar se transformando, isto ainda é um fator que aumenta a distância entre querer uma boa prestação de serviço e esperar isso de fato.
Já enquanto prestadores de serviços públicos, os servidores estão cercados de portarias regulatórias, infraestrutura tecnológica muitas vezes insuficiente, recursos humanos e financeiros escassos e poucos incentivos para uma capacitação contínua. Somado a isso, os muitos afazeres da rotina de trabalho podem afastar ainda mais o(a) servidor(a) de trabalhar em um projeto voltado para otimização de processos, produtos e serviços, até mesmo aqueles que já possuem as competências essenciais para inovação (ver “Competências essenciais para inovação no setor público” da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Acredito e vivenciei muitos exemplos que me mostraram que um dos principais fatores de sucesso da transformação digital é o engajamento e resiliência, mas propus este cenário para exemplificar como o ecossistema dos serviços públicos possui muitos fatores que podem desencorajar ou incentivar a transformação digital, a experimentação e a inovação e agora gostaria de aprofundar mais um pouco esta reflexão sob a ótica da administração pública, do cidadão e da tecnologia.
Administração Pública
Ao observarmos a dimensão da administração pública, o nível estratégico nos mostra que o patrocínio da liderança e a pauta estar na agenda política é importante para a perenidade das ações. Já no nível tático, a articulação dos atores envolvidos, regulamentação, acompanhamento dos dados e comprometimento com melhorias contínuas garantem um padrão de qualidade da prestação do serviço. E no operacional, a constante capacitação em conjunto com um bom fluxo de informação e interação entre quem executa e quem formula traz transparência e retroalimenta uma relação de confiança e aberta para as propostas de melhorias contínuas, afinal, quem melhor do que quem está na ponta para entender as reais necessidades dos cidadãos relacionadas aos serviços.